Espaço de inutilidades Manuel de Barros: Um Culto as Crianças.

Por Cori

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser
como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. Manuel de BarrosOrugas_espacioManueldeBarros

Na escola pública Pedro Rodrigues do Carmo, do Municipio Duque de Caxias, do Estado do Rio de Janeiro (Brasil), encontra-se um espaço de inutilidade. No quintal da escola muitas plantas e bichos se fazem presente. A professora Adelaide, um a um vai nos apresentando todas as vidas que fazem viver aquela horta. Ao cheirar as diversas plantas, as flores do limoeiro, olhar as árvores se abraçar, que a terra é diferente aqui do que lá… aquele quintal que de longe parecia pequeno, foi se fazendo cada vez maior.  

Pinel-espacomanueldebarrosMas o que eu queria dizer sobre o nosso quintal é outra coisa. Aquilo que a negra Pombada, remanescente de escravos do Recife, nos contava. Pombada contava aos meninos de Corumbá sobre achadouros. Que eram buracos que os holandeses, na fuga apressada do Brasil, faziam nos seus quintais para esconder suas moedas de ouro, dentro de baús de couro. Os baús ficavam cheios de moedas dentro daqueles buracos. Mas eu estava a pensar em achadouros de infâncias. Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos. Hoje encontrei um baú cheio de punhetas. Manoel de Barros

No percurso por aquele espaço maior que a cidade, fomos encontrando muitas infâncias, a infancia da Edna “Olha essa lagarta ai, quando era criança fique descalça no quintal, e uma dessas me queimou… fui parar no hospital”, do Paulo, “É, eu também quando era criança fui quemado por uma lagarta dessas” da Edna novamente, “Nossa essa árvore é muito boa, o meu tio quando a gente se machucava colocava folhas desta árvore na nossas feridas”  da Júlia, “Minhocas!, eu adorava botar as minhocas na minha mão, posso pegar?”… e as infancias continuavam aparecer, agora, com aquelas minhocas nas nossas mãos…Arbol-espacomaueldebarros

Nos disseram então que esse espaço se chamava Espaço de inutilidades Manuel de Barros, um Culto as Crianças, nos encantou o nome, mas não falamos muito sobre ele. Preferimos continuar cavando buracos naquele quintal, um guri se surpreendia com as laranjas nascendo, uma menina cutucava as lagartixas, outra contava os aneis que tinha uma minhoca, enquanto outra cheirava cada folha…São muitas as infancias que podem se encontrar em aquele espaço, durante a semana, umas cuidam de botar água nas plantas (e as vezes também nos amiguinhos), outras dam carinho a terra sem se importar de sujar as suas roupas, enquanto outras plantam, trazem e levam mudas para suas casas… trazem e levam inutilidades… trazem e levam infância…

(Fotos de Tainá Lopes…obrigada!)