Sobre salvar um Homem

Por Dé

Tenho tido proximidade com o caso de um amigo que me causou muita tristeza. Meu vizinho, uma figura da qual tenho muita admiração pela maneira de viver, pela energia, pela história de vida e pela influência positiva que tem em vários setores da comunidade.

Figura que num momento de crise financeira, decidi abrir um bar em sua casa.

Desde o primeiro dia em que o conheci, até poucos dias, nunca havia o visto consumindo bebidas alcoólicas. Na juventude foi alcoólatra, fez uso e foi viciado também em crack, e teve muita dificuldade para abandonar esses vícios.

No cotidiano de seu bar, muito movimentado por amigos, caiu descontroladamente no consumo de álcool e outras drogas.

O que me motiva a escreve sobre isso são os dilemas que me surgem e a relação que tenho estabelecido com a complexa situação de meu amigo.

Meu principal dilema passa pela sensação de que deveria fazer algo a favor dele, e questionar a cultura do alcoolismo e do abuso de drogas. Mesmo tendo a sensação de ser um problema grande demais para que poucas pessoas consigam fazer algo significativo.

Em poucos dias o homem perdeu peso, se envolveu em problemas e pôs a própria vida e a de outras pessoas em risco.

Em momentos de sobriedade, conversamos e demos conselhos, como o de fechar o bar e sair por algum tempo da comunidade, até conseguir se fortalecer um pouco.

Oferecemos comida, porque já não comia a dias.

Mas o que mais fazer, quando seu bar vive lotado de outros usuários usuários, trazendo mais drogas o tempo todo e ainda roubando, quando possível? O que é possível fazer quando se está envolto numa cultura que da suporte a essa situação?

Tenho pensado que o que podemos fazer é abrir mão da ideia de que vamos salvar alguem, e continuar resistindo com nossas pequenas ações. Não deixar que a situação nos tire de nossos caminhos e de nossa centralidade. Não cair na armadilha de falar desse “atraente assunto” o tempo inteiro. Parece que gostamos falar de tretas permitindo que isso sugue e mude nossa energia o tempo inteiro.

Continuar fazendo o que fazemos todo o tempo. Fortalecendo as assembleias, publicando os jornais, limpando nossas ruas, fazendo atividades de vez em quando, brincadeiras com as crianças, mantendo nossos lotes limpos e organizados, cuidando e castrando nossos gatinhos, fazendo nossa horta, mantendo nossos corpos saudáveis e os treinos de capoeira, estudando nossos assuntos preferidos, convivendo bem com a vizinhança, etc… e uma coisa de cada vez e sem perder o senso crítico.

Essa parece ser nossa parte numa possível mudança.

Não adianta pensar que salvaremos esse ou aquele homem, ou que transformaremos toda uma cultura da noite para o dia. Mesmo tão envolvido sentimentalmente, é importante evitar sermos afogados pelos problemas ao nosso redor.

Façamos o que nossas pernas aguentam, e estejamos atentos para evitar contribuir com a continuidade das questões que queremos superar.