Sobre Salvar o Mundo – Um assunto de mesa de um bar

Por Dé

Certa noite me vejo sentado na mesa de um bar com amigos e amigas que a muito não encontrava. E nas conversas emergiu um assunto que muito me atravessa.

Um amigo falava sobre sua vida, suas ideias e questões que o tem assolado. Assuntos desde cooperativas de trabalho, política pessoal, local, nacional, internacional e intergaláctica; relações e desejos de engajamento pessoal, preocupações com outras pessoas, questão de moradia, saúde e etc.

Acredito que todos nós somos, de certa forma, atravessados por assuntos parecidos.

Mas o que me chamou a atenção foi que ele me pareceu sentir-se muito responsável por todas as soluções. Carregava as palavras com o peso dessa responsabilidade. Parecia cansado e desgastado com todo o assunto.

Eu me sentia cada vez mais pesado sobre aquela cadeira de bar.

Também me sinto responsabilizado assim. Querendo abraçar o mundo com os braços, aceitando cada questão que atravessa meu caminho como sendo minha. Assim, desprotegendo as construções que dificilmente tenho tecido, permitindo que sejam prejudicadas, por falta de auto controle. Abrindo mão da minha saúde física e mental, das amizades e dos interesses pessoais.

Mirando enormes questões globais sem resolver as pessoais. Fazendo contatos com distantes lutas, mas com as relações com vizinhos enfraquecidas.

Falo a partir da vivência morando em uma comunidade financeiramente pobre, carente de vários recursos e direitos, convivendo com violências de cunho social, político, violência doméstica, de gênero, promovida pela polícia, por homens, adultos, pelo crime e pelos vícios em drogas.

Essa reflexão é próxima as da capoeira de Angola. A Angola é uma capoeira «miúdinha», jogada muitas vezes encolhidinho, bem próximos ao chão e do outro jogador, no chamado «Jogo de Dentro».

O mestre com que temos treinado, em vários momentos, chama a atenção para a não necessidade de se ter muito espaço, mas para a importância de ocupar bem os espaços que temos. Também fala muito sobre estarmos sempre próximos do outro jogador, e que o ataque na capoeira de angola parte sempre da ocupação do espaço do inimigo e da auto defesa. Que o importante é estar sempre treinando, nos movendo dentro das técnicas e regras do jogo, e desenvolvendo nossa atenção e criatividade.

Nessa mesa de bar, demos exemplos de brigas de casais e vizinhos, da guerra entre policia e do tráfico. Dissemos que, na maioria das vezes, acreditamos que nos manter saudáveis, centrados, nos alimentando bem, com nossas casas organizadas, com boas relações entre amigos e vizinhos, brincando com as crianças de vez em quando, estudando nossas questões e  interesses, dando exemplos diferentes dos da cultura da violência, sem abrir mão da sinceridade, trabalhando para instituir, proteger e fortalecer  os espaços comunitários, legitimando a assembleia da ocupação, estimulando encontros, almoços e lanches comunitários, fazendo os jornalzinhos da comunidade, estando sempre atentos, seria nossa melhor contribuição contra a violência de nossa comunidade.

Uma coisa de cada vez, sem pressa, sempre a partir dos nossos desejos e sem perder o senso crítico..

E que tudo pode também ser pesado, se não conseguirmos manter a calma, a saúde e a alegria.

Não adianta arrancar cabelos, desregulados e aflitos com as questões que nos surgem. O mundo e a TimeLine de FaceBook estão cheios de questões, o tempo inteiro.             Entender isso não é motivo nenhum para desanimar.

Quando tentamos fazer tudo ao mesmo tempo, me parece que acabamos fazendo nada.

Na conversar quis dizer que sentia que meu amigo deveria se cuidar mais e tentar se manter mais tranquilo. Que se quisermos fazer alguma coisa, é primordial nos manter vivos, mas que mesmo assim, nunca conseguiremos abraçar o mundo.