A Festinha das crianças na Ocupação – Relato, Pensamentos e algumas conclusões

Por Dé

Pela relação que temos com as crianças e por um certo interesse que temos em contribuir com a educação delas, surgiu junto a comunidade a proposta de uma festinha de dia das crianças.

Todo esse processo, de concepção e idealização, organização e realização geraram muito material para reflexão. E é sobre isso que quero escrever aqui.

Por influência das ideias de Primo, um dos mestres de capoeira angola de Belo Horizonte, pensamos em fazer um evento sem a pretensão de ser algo grande, que fosse mais próximo do tamanho de «nossas pernas», prezando pela qualidade das relações e pela interação, do que pela quantidade de «publico» e atividades. Por isso não nos preocupamos em divulgar para além da comunidade, de sua assembléia e de pessoas mais próximas.

Pensamos, enquanto um pequeno grupo de moradores com maior afinidade e proximidade, que era interessante priorizarmos os processos educativos e críticos do evento, desde a sua construção, a comida servida e as atividades da programação.

Procuramos desde o principio discutir propostas habituais de festas feitas por adultos para crianças, como a distribuição de brinquedos, doces e refrigerantes. Partimos da ideia de que as crianças da ocupação talvez necessitassem mais de carinho e proteção do que de brinquedos. Isso porque a comunidade tem um amplo espaço para brincarem protegidas de carros, e que simplesmente distribuir brinquedos e doces estimularia uma cultura de consumismo e apatia. Então procuramos estimular as pessoas a propor brincadeiras ao invés de trazer bonecas e carrinhos de plástico, que terminariam jogados pelos cantos da comunidade.

Pensamos que distribuir doces e refrigerantes seria legitmar habitos alimentares pouco saudáveis.  São alimentos ricos em açucar, que é algo que ataca os dentes e que não favorece a saúde. Além de tudo, doces, salgadinhos e balas geram muito lixo, que provavelmente acabariam poluindo mais os espaços coletivos da ocupação. Priorizamos a distribuição de frutas, sucos naturais, chup-chup´s de frutas com pouco açucar.

As pessoas que me procuraram se dispondo a trazer doces para a festa, eu sugeri e estimulei que trouxessem frutas.

Discutimos isso, na medida do possível nas assembléias da comunidade e com as pessoas e grupos mais próximos. Também não rechaçamos iniciativas de pessoas que por ventura aparecessem trazendo brinquedos e doces.

A proposta que construímos junto a assembléia era de realizarmos um almoço comunitário, mostrando para as crianças um exemplo de interação social mais interessante, onde cada familia levaria uma panela de comida e todos comeríamos juntos, crianças e adultos. Depois disso, aconteceriam brincadeiras, banho de mangueira, contação de histórias, chup-chup de frutas e a noite um cineminha com algum filme interessante.

O processo de organização da festa contou com reuniões, mutirões de limpeza das áreas comuns da comunidade, o que trouxe melhorias, como a reforma da iluminação da praça, reorganização da biblioteca e realização da instalação eletrica da nova salinha de reuniões.

O processo de organização e construção da festa foi muito interessante, e serviu para fortalecer laços entre moradores que se encontravam mais distantes dos projetos da comunidade.

Construímos uma programação bem simples. Nossa intenção era a de não nos sobrecarregar e termos um dia tranquilo.

No entanto, por falta de ainda mais cuidado, algumas situações fizeram a coisa se tornar um pouco mais cansativa, mas que também nos fizeram desenvolver ricas reflexões.

Bom, o almoço foi massa! Várias famílias contribuíram, todos e todas comeram, uma comida caseira, gostosa, sincera e de qualidade, envolvendo crianças, jovens, adultos e idosos. O espaço não ficou sujo, as pessoas conviveram bem e ainda rolou uma rápida roda de conversas sobre educação infantil, convivência, comunitarismo. Foi inclusive tocado no assunto sobre o excesso de alcool na comunidade e a influência e a banalização das drogas que isso gera nas crianças.

… brincadeiras, pinturas, contação de histórias, frutas, chup-chup´s, banhos de mangueira e tals. Foi tudo muito interessante!

No entanto, uma questão que influenciou nossa festa tem relação com um certo BOOOM! de mobilizações na região em torno do dia das crianças. Houveram atividades no sábado e no domingo nos bairros do entorno e atividades de ONG´s. Nossa festa ficou para segunda feira, e de certa forma, acabamos entrando num circuito de atividades, o que envolveu mais gente com a festinha.

Conclusão nº1 – Pensamos que talvez teria sido melhor ter realizado esse evento numa data mais distante da data convencional do dia das crianças, porque isso nos deixaria num espaço mais neutro, onde precisamos «disputar» menos com os habituais doces, brinquedos e refrigerantes e com a cultura de festa de massa do dia das crianças.

Várias pessoas quiseram contribuir, e é inegavel a boa vontade que as pessoas tiveram com a festa e com o almoço, mas ao invés de simplesmente levar sua contribuição e distribuí-la, nos passou para que nós distribuíssemos. Não tivemos o cuidado de negar essa tarefa, e acabamos distribuindo garrafas e garrafas de refrigerante, cachorro-quente, frutas e pipocas…

Isso tornou o dia muito mais cansativo para um pequeno grupo de moradores. E nos deu a imagem de pessoas que «distribuem» coisas grátis, num papel que queríamos evitar desde o começo. Essa pratica acaba estimulando um tipo de comportamento nas pessoas que não é nada interessante.

Então, conclusão nº 2 – fica ai a dica: Se alguém quiser contribuir com alguma coisa de comer ou de ser distribuída, que a pessoa traga e ela mesma distribua de maneira responsável, e não jogue nas costas da coleguinha. Pelo menos não na minha… é necessário ter firmeza nesse posicionamento para não sermos sobrecarregados de tarefas que outras pessoas querem nos dar.

Bom, tudo terminou no cineminha, que foi um assunto por si só.

Depois de um dia de brincadeiras e de alguma quantidade de açucar, haviam muitas crianças e a maioria estava muito agitada. A sala onde estava sendo montado a estrutura do cinema parece que concentrou ainda mais a agitação da criançada, o que tornou o ambiente insuportável.

O filme que baixamos para ver deu problemas, e acabamos assistindo um filme trazido por elas, e esse acabava reproduzindo um filme da midia de massas, situação que de certa forma, tentamos evitar.

E para completar, o equipamento de projeção do filme deu problemas, agitando ainda mais as crianças e jovens presentes.

Conclusão nº3 – Sermos mais atentos aos equipamentos e logísticas para as atividades. Não ser responsável nesse ponto não é nenhum bom exemplo para a criançada e para a comunidade.

Antes do inicio da sessão, não criamos nenhuma dinâmica para estabelecermos combinados e regras comuns, o que tornou a coisa muito desgastante também. Não tinhamos parâmetros comuns de convivência naquele espaço.

Conclusão básica nº 4 – É importante trocar uma ideia com a criançada antes de uma dinâmica de cinema, principalmente num espaço como aquele. É importante estabelecermos todos e todas presentes, limites de convivência. Isso tanto para garantir a segurança das crianças e do equipamento, quanto para estimular relações mais igualitárias e não violentas.

O cine não chegou ao final do filme por questão de bagunça mesmo.

No final das contas, foi isso. Vários foram os materiais que o evento nos trouxe para pensar, mesmo as situações negativas. E principalmente para nós, que estamos interessados em pensar dinâmicas educacionais e comunitárias, tudo foi muito rico.

Não sei se haverá algum desdobramento da festa em outras dinâmicas da comunidade. Veremos isso nas próximas assembléias e encontros, onde serão feitas avaliações da festa.

Bom, fica aí o relato.