Algumas fichas cairam com a construção de uma salinha

Por Dé

… vou tentar fazer um relato de algumas discussões que surgiram a partir de um processo que estamos vivendo na comunidade.

Da necessidade de uma sala que sirva como um espaço de reunião, que permitisse momentos de maior atenção dentro da comunidade, um grupo de moradores decidiu construir uma salinha. Optamos por construir com madeira e palets, e por construir também um espaço menor, para que possamos construir mesmo que com recurso bem limitados.

Discutimos o assunto inclusive em uma assembleia da comunidade.

Já havíamos construído um piso de concreto de aproximadamente 6m x 15m, onde pretendemos construir o centro social que também sirva de creche e espaço ecumênico. Por falta de verba, essa obra ainda não foi concluída.

A proposta de construir essa salinha de madeira sob o piso de concreto seria também para chamara atenção da comunidade para a obra parada do centro social. Estávamos bem empolgados e a construção da salinha de madeira começou logo.

Logo no final do primeiro dia, alguém apareceu falando que aquele piso já era ocupado cotidianamente pelas crianças e adolescentes, que usavam o local para jogar todos os dias a tarde. Apareceram inclusive alguns adolescentes mais ou menos raivosos com essa construção, que tomaria seu espaço esportivo.

A alternativa surgiu de Maíza, uma das jovens “esportistas” ocupantes do piso. Ela nos sugeriu construir num piso de terra, logo ao lado do piso de concreto.

Enfim, era sábado, terminamos o primeiro dia de trabalho e voltamos na segunda-feira. A surpresa era que todas as madeiras que havíamos fincado no chão de concreto haviam sido arrancadas, numa clara ação direta de algum jovem da comunidade.

Pensamos e conversamos bastante sobre o acontecido e tivemos opiniões bem variadas. Decidimos voltar o trabalho, desta vez no espaço ao lado, seguindo a sugestão dada por Maíza. A jovem inclusive vibrou quando viu que seguíamos sua sugestão.

Se insistíssemos em construir sob o concreto, ignorando os jovens, a parte mais adulta da comunidade certamente nos apoiaria. Na verdade algumas pessoas chegaram a dizer “mas esse piso não foi feito para futebol”, ou “eles não tem que reclamar não”. Arrisco dizer que existe uma cultura que tende a deslegitimar os hábitos e desejos dos mais jovens.

Na verdade talvez seja preciso assumir que na verdade não estávamos informados o bastante sobre os hábitos das pessoas em relação aquele piso, e que não fomos sensíveis o suficiente para ouvir o que os mais jovens tinham a dizer. É necessário assumir isso…

Bom, continuamos a construção, e agora, depois de várias discussões sobre o assunto, com outro olhar. Pensamos na ideia de valorizar ainda mais o uso dado pela juventude da comunidade ao piso. Pensamos em, no evento que planejamos para a inauguração do espaço, fazer uma festa com atividades, dentre elas um campeonato de futebol no piso… num futuro, iluminar o espaço e fazermos uma cobertura para o lugar, e construir uma arquibancada aproveitando o barranco ao lado. Enfim, abrindo o leque de possibilidades do espaço, aproveitando o próprio pulsar de sua ocupação.